Aspies

Eu tive uma notícia inesperada esta semana a respeito da minha condição de “Ser” no mundo. Na verdade, eu já desconfiava disso há muito tempo, mas fugia do assunto. É que tenho todos os indícios de um pessoa com Síndrome de Asperger que é uma condição não muito perceptível para os conhecidos como “neurotípicos” e, portanto, tudo leva a crer que estou em algum lugar deste universo singular conhecido como “Aspie”. Vivi toda uma vida convivendo com algumas limitações, habilidades e características excêntricas sem entender o que estava acontecendo comigo; tudo por não ter sido diagnosticado adequadamente na infância. Sempre fugir deste assunto. Interessante que no momento que fora estabelecido um diagnóstico apropriado para minha condição eu estava, concomitantemente, atendendo muitos casos do espectro autista e estudando com mais constância sobre TEA – Transtorno do Espectro Autista, assim como fechando os diagnósticos de um paciente com autismo e de outros dois com Asperger no serviço de Atenção a Saúde Mental onde trabalho. Seria tudo isso coincidência, alguma resposta do acaso, da intuição ou de uma inteligência absoluta transcendental?

Aspies não sofrem simplesmente por ter Síndrome de Asperger (AS), mas muitas vezes sofrem mais com a forma como são tratados pelos neurotípicos (pessoas que não têm uma condição do espectro autista). ASPIE

Só sei que sou um possível “Aspie” e vivo com distonia focal da mão(Task-Specific Hand Dystonia) desde a minha infância. Eu me lembro que quando era criança apresentava algum grau de inabilidade motora no andar, no correr, no pegar uma bola, no vestir-se e despir-se, no derrubar muito as coisas e na caligrafia de forma acentuada. Segundo o psiquiatra Walter Camargos, as características das crianças com Síndrome de Asperger são muito variáveis. Temos um subdiagnóstico dessa afecção e a rotulação dessas crianças como “diferentes”, “excêntricas”, “petulantes”, “com dificuldade de atenção”. Para ele, é comum encontrar barreiras no diagnóstico, principalmente nas crianças com QI elevado, por ser uma condição pouco conhecida pela sociedade, o que gera dificuldade de compreensão dos pais e escola.

Esta é uma síndrome silenciosa e invisível que traz comprometimentos significativos e causa dificuldades importantes na vida da pessoa. Percebo que sempre tive algum grau de dificuldade para completar os estudos, manter-se no emprego, expressar-se socialmente de forma adequada, ter resiliência/capacidade para tolerar frustração, compartilhar interesses comuns em ambientes coletivos, participar de eventos sociais, desenvolver relacionamentos interpessoais e cumprir alguns papéis sociais que nos são impostos no decorrer da vida, assim como alguma dificuldade em processar estímulos do ambiente e dos sentidos. Desde cedo e sobretudo na vida adulta, aprendi, de forma compulsória, a camuflar meus déficits e dificuldades. Comportamento este, típico de pessoas que apresentam alguma limitação. A revelação e aceitação desta condição trouxe um rebuliço e desobscureceu muita coisa na minha vida.

Então, podemos dizer que:

“Aspies” são pessoas solitárias por conta da dificuldade em socialização. Muitos são classificados por leigos como “chatos”, “esquisitos” ou “nerds”…

“Aspies” são pessoas sensíveis e inteligentes e podem superar suas dificuldades mais facilmente com a ajuda das pessoas que lhe são próximas.

“Aspies” apresentam, comumente, quadros depressivos ou deterioração da saúde mental quando convive com relações ou situações instáveis.

“Aspies” apresentam comportamentos, práticas e rituais incomuns, introspecção, mania de catalogar informações de seu interesse, atração por fazer listas e manter um padrão. Geralmente, se irritam quando são obrigados a sair da sua rotina padronizada.

“Aspies” podem se incomodar quando abordadas com um simples “Oi” ou “Bom dia”.

Enfim, algumas outras características dos portadores da Síndrome de Asperger de acordo com o Blog Autismo em Dia são:

Desafios na vida escolar:

  • Dificuldade na interação com os professores e colegas;
  • Desconforto ao ser pressionado a participar de atividades e brincadeiras em grupo;
  • Incômodo com estímulos sensoriais como: barulho, iluminação, toques, etc.

Desafios nas relações sociais:

  • Preferir ficar sozinho e tendência ao isolamento;
  • Dificuldade em comunicar seus sentimentos, desejos e anseios. Dificuldade iniciar uma conversa, ou manter as conversas iniciadas a ponto de desenvolver uma amizade ou um relacionamento;
  • Dificuldades para lidar com estímulos sensoriais como ambientes muito iluminados, barulhentos ou com aglomerações.

Desafios para compreender sinais:

  • A possível dificuldade em compreender sinais de linguagem corporal e expressões faciais, por exemplo, tonam as relações sociais ainda mais complicadas. As pessoas neurotípicas podem não fazer ideia de que o autista não compreendeu algum olhar de interesse ou reprovação;
  • O Aspie pode, muitas vezes, ser considerado ingênuo, por não perceber a malícia por trás de algumas falas e comportamentos que seriam facilmente percebidos por pessoas neurotípicas.

Hiperfoco:

  • O hiperfoco pode prejudicar a qualidade de vida quando passa a afetar a capacidade da pessoa de se interessar por outros assuntos e hobbies que não sejam relacionados ao hiperfoco. Além disso, o hiperfoco pode ser mal interpretado por pessoas que não compreendem essa característica presente em muitas pessoas com autismo;
  • Nas relações, outra vez, o hiperfoco tem grande tendência a ser mal interpretado, e pode não ser saudável. A pessoa que é foco do interesse pode se assustar com comportamentos de atenção excessiva, e encarar tais comportamentos como inadequados

Comorbidades e outros

  • Comportamento frequentemente ansioso, no qual o autista passa aos neurotípicos a impressão de estar nervoso e inseguro;
  • TDHA;
  • Discursar em conversas com um foco muito forte na sua área de interesse especial e dar pouca atenção a outros assuntos.

A maioria destas características, eu sempre tive em graus diferentes. No percurso da minha vida, eu lembro que apresentei outros tantos sintomas, principalmente quando criança… Assim, a lista de características é bem mais robusta. Percebo, também, que a confirmação do meu diagnóstico – mesmo tardio – trouxe um contratempo, um grande processo catártico e o começo de um novo decurso na minha evolução existencial enquanto pessoa e profissional da psicologia. É relevante reiterar que o delineamento de um diagnóstico como este nesta fase da vida implica em analisar vários aspectos como a história de vida e a avaliação dos testes. Assim como, o esboço do diagnóstico tem compreendido uma longa caminhada onde as lembranças que vão vindo aos poucos, a compreensão e aceitação dos comportamentos que acontecem paulatinamente e o estudo científico ferrenho por minha parte tem sido imprescindíveis para esta investigação.

Para entender mais sobre os “Aspies” leia os artigos:

1- Síndrome de Asperger – O que é?, que define muito bem esta Síndrome pouco conhecida;

2- Características de Crianças com Síndrome de Asperger, que aborda uma infinidade de características da SA;

3- Lista de Traços em Mulheres com a Síndrome de Asperger, que descreve um checklist não oficial e na minha opinião se aplica a todas as pessoas Aspies.

Pessoas Aspies são muito mais comuns do que se pensa na nossa sociedade, apesar de o nome Síndrome de Asperger não não estar mais sendo usado desde a publicação do DSM-5 em 2013. Esta categoria foi incluída no transtorno do espectro autista (TEA) e suas particularidades são especificadas por meio de especificadores. Para refletirmos um pouco, trago algumas personalidades famosas e influentes que vivem/viveram com Síndrome de Asperger: o jogador Lionel Andrés Messi Cuccittini; a ativista ambiental Greta Thunberg; o físicio Albert Einstein; o magnata e empresário William Henry Gates; o pintor Van Gogh; o cientista Issac Newton; o criador da evolução Charles Darwin; os cineastas Steven Spielberg, Robin Williams e Woody Allen; os atores Dan Aykroyd e  Keanu Reeves; os compositores Ludwig Van Beethoven e Wolfgang Amadeus Mozart; o presidente russo Vladimir Putin, dentre outros. Estudos epidemiológicos mostram que a prevalência da síndrome de Asperger deva estar entre 0,26 para cada 1.000. Um estudo de 2007 relativamente pequeno com 5.484 crianças de oito anos de idade na Finlândia descobriu que 2,9 crianças para cada 1.000 preenchiam o critério diagnóstico do CID-10 para síndrome de Asperger.

Adultos com SA são diferentes (às vezes incapazes de se comunicar facilmente, parecendo estranhos, difíceis e desajeitados) e por isso eles podem encontrar inúmeros problemas e geralmente foram vítimas de bullying durante a infância, adolescência e, portanto, pela vida toda. ASPIE

Segundo Dr. Kenneth Roberson,  psicólogo especialista em Asperger de São Francisco/EUA, a resolução de problemas e a regulação comportamental são frequentemente desafios mais significativos do que as dificuldades sociais comumente associadas ao espectro do Autismo, incluindo aqueles com síndrome de Asperger. “A resolução de problemas e a regulação do comportamento são controladas por várias habilidades cognitivas de alta ordem, conhecidas pelo termo global como Funcionamento Executivo“, comenta ele. Assim, desde que o autismo, a síndrome de Asperger e a classificação mais recente, Transtorno do Espectro Autista, foram descritas pela primeira vez, as dificuldades do Funcionamento Executivo têm sido consideradas uma característica proeminente desses transtornos. Ele descreve uma lista das principais habilidades de funcionamento executivo e os prejuízos nessas habilidades que são mais frequentemente vistas em adultos com Transtorno do Espectro Autista no artigo “Executive Functioning In Adults With Autism Spectrum Disorder”.

Contudo, segundo o site ASPIE, algumas pessoas Aspies são capazes de “fingir que são normais” e conseguem se adaptar e encontrar emprego, mas muitas vezes a um custo altamente estressante. Outros, no entanto, não recebem qualquer ajuda ou apoio e tornam-se retraídos e isolados, incapazes de lidar com a vida cotidiana, muito menos com o emprego, caindo em depressão e desespero, embora sejam altamente inteligentes e anseiem por aceitação e inclusão. O efeito sobre esses adultos e as famílias envolvidas em seus cuidados é devastador e duradouro. No entanto, isso não precisa ser o caso, já que aqueles com SA são altamente inteligentes, honestos, confiáveis ​​e capazes de intensa concentração e, com um pouco de compreensão, podem ter sucesso no ensino superior, manter empregos e viver de forma independente. Por isso que a importância de um diagnóstico possibilita entender melhor  o nosso funcionamento neurodiverso,  a ter um melhor desempenho para se policiar em certas situações, criar estratégias para as dificuldades e ser sincero com as pessoas sobre as inabilidades de socialização.